Clima tenso marca 17ª sessão da Câmara de Orleans com polêmica sobre frutas na merenda escolar

A 17ª sessão ordinária da Câmara de Vereadores de Orleans, realizada nesta segunda-feira (19), foi marcada por forte tensão e debates acalorados entre os parlamentares, em meio à polêmica sobre a proposta de inclusão das frutas pitaya, morango e uva na merenda escolar municipal.
O projeto de lei, assinado pelos vereadores Pedro Orbem (MDB), Dovagner Baschirotto (MDB), Mirele Debiasi (PSDB), Marlise Zomer (PSDB) e Maiara Dal Ponte Martins (MDB), não chegou a ser votado no plenário, pois foi retirado pelos próprios autores. Segundo os parlamentares, a decisão foi tomada diante da lentidão na tramitação nas comissões permanentes da Casa. Nas redes sociais, eles divulgaram um vídeo expressando indignação com o andamento do projeto, o que, na visão deles, impediu que ele fosse apreciado em plenário.
Durante a sessão, o nutricionista da Secretaria Municipal de Educação, Marlon Martins Freitas, foi convidado a usar a tribuna para prestar esclarecimentos técnicos sobre a alimentação escolar. No entanto, não teve liberdade para expor seus argumentos de forma completa, devido ao clima acalorado e aos constantes embates entre os vereadores.
Em entrevista concedida ao Jornal da Guarujá nesta terça-feira, 20, Marlon esclareceu que o projeto de lei proposto pelos vereadores é, na sua visão técnica, desnecessário. “Já existe desde 2009 uma lei federal que determina que no mínimo 30% dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) sejam destinados à agricultura familiar. Essa legislação não prioriza tipos específicos de alimentos, como frutas A, B ou C, todas as frutas in natura são permitidas, desde que haja disponibilidade dos produtores locais”, explicou o nutricionista.

Foto/Redação
Ele também afirmou que não foi procurado pelos autores do projeto durante sua elaboração. “Se eu tivesse sido consultado, teria esclarecido que a inclusão específica dessas três frutas — pitaya, morango e uva — não apenas é desnecessária como pode afunilar uma política alimentar que já é ampla e democrática. A legislação existente já permite essa aquisição, desde que haja interesse dos agricultores em fornecer”, disse.
Marlon também detalhou os motivos técnicos que explicam por que essas frutas atualmente não integram a alimentação escolar. Ele destacou que a inclusão depende de manifestação de interesse dos agricultores locais e de sua capacidade de fornecimento ao longo do ano, levando em conta sazonalidade, volume e preço compatível com a chamada pública.
Durante a sessão, foi questionado o motivo pelo qual a uva não foi incluída na alimentação das crianças. A respeito, Marlon explicou. “Com relação à uva, pode ser ofertada só a partir de uma certa idade, porque o caroço, a semente da uva, pode trazer algum tipo de prejuízo para crianças menores. A baga inteira pode causar engasgo, então seria necessário um processo de retirada das sementes. Quando é uma mãe com seu filho, isso pode ser feito, mas quando envolve uma cozinheira preparando para muitas crianças, é mais complexo. Por isso, em unidades escolares, seria necessário um informe técnico para evitar dar uva para crianças pequenas, para garantir a segurança alimentar. Isso não impede a entrada da uva na merenda escolar, desde que haja cuidados específicos e interesse dos responsáveis.”
Ao final da sessão, a vereadora Maiara Dal Ponte Martins, uma das autoras do projeto, concedeu entrevista ao Jornal da Guarujá e lamentou o desfecho da proposta. Segundo ela, “o projeto surgiu do diálogo com agricultores da cidade, que manifestaram interesse em fornecer essas frutas, que muitas crianças não têm acesso em casa, como a pitaya ou até mesmo o morango e a uva, que são frutas mais caras.” Maiara disse ainda que a proposta enfrentou resistência desde o início. “A vereadora Jana disse que havia conversado com fornecedores e que eles não tinham interesse, mas depois vimos que não foi bem assim. Em outro momento, ela afirmou que era contra por causa do risco de engasgo com a uva.”
A vereadora também rebateu as críticas de que a oposição estaria criando narrativas falsas. “Nem eu e nem meus colegas levantamos qualquer narrativa falsa. Apenas queríamos viabilizar um projeto positivo para a alimentação das crianças. Mas, mais uma vez, nossos projetos não andam.”
Em relação às acusações de politização, Maiara foi direta. “Segundo o vereador Vá (Osvaldo Cruzetta) e a vereadora Jana, levantamos narrativas falsas. Mas o que fizemos foi buscar uma solução, como ocorreu com o projeto do peixe, que foi aprovado. Infelizmente, há uma minoria sendo calada.”
Já a vereadora Genaina Coan (Jana) (PL), garantiu que não é contrária ao projeto e disse que seu posicionamento foi apenas técnico. “Ninguém foi contra as frutas na merenda. Eu mesma sugeri uma emenda, porque a uva com semente representa risco para crianças pequenas. A prefeitura atende desde o maternal, e precisamos garantir segurança, como já propus no projeto do peixe, com o cuidado com espinhas.”
“Eu acredito que a vereadora Maiara está enganada, está levando para o coração. Não foi nada político. Se fosse, eu teria votado contra. Mas não, eu sugeri uma emenda para melhorar. Toda minha atuação é pautada por responsabilidade técnica. Política se faz com verdade”, completou.
Ela ainda reforçou que o projeto não ficou parado. “Falam que o projeto ficou 60 dias tramitando, mas foram 33. Tivemos discussões, e em nenhum momento houve veto. Apenas pedimos ajustes técnicos para garantir segurança.”
O caso do morango: boa qualidade, mas pouca oferta local
Sobre o morango, Marlon fez um relato detalhado. Segundo ele, o morango produzido por agricultores de Orleans tinha excelente qualidade e chegou a ser incluído no cardápio escolar em anos anteriores. “Posso afirmar com tranquilidade que foi um dos melhores morangos que já provei. Tivemos participação de até três produtores locais, com produtos ótimos. Porém, ao longo dos anos, houve desistência por parte dos agricultores, que não consideraram vantajosa a continuidade da entrega à rede municipal”, explicou.
Ele contou que, no último edital, nenhum produtor local manifestou interesse em fornecer morangos. Com isso, a prefeitura precisou recorrer a cooperativas de outras cidades. “Infelizmente, o produto entregue por essas cooperativas não manteve o padrão de qualidade. Em um dos casos, o morango não atendia aos critérios mínimos, e optamos por não incluí-lo na alimentação escolar para não comprometer a qualidade oferecida às crianças”, afirmou o nutricionista.
Falta de produtores e logística dificultam inclusão da uva e da pitaya
Com relação à uva e à pitaya, Marlon foi enfático: não há hoje produtores locais interessados ou com capacidade de fornecimento regular. “No caso da uva, a Secretaria de Agricultura sequer tinha registro de produtor disponível. Sem esse mapeamento, não é possível publicar chamada pública para aquisição. E a pitaya, apesar de existirem produtores na cidade, não manifestaram interesse em fornecer o produto dentro dos critérios exigidos pela alimentação escolar”, explicou.
Ele reforçou que a prefeitura não pode obrigar nenhum agricultor a participar do processo, e que os valores oferecidos nem sempre são competitivos com os do mercado privado.
Lista atual da merenda
Marlon também apresentou a lista atual de produtos fornecidos na merenda escolar, todos adquiridos com recursos do PNAE e da agricultura familiar local. Entre eles estão banana, laranja, alface, batata-doce, aipim, repolho, couve, tomate, brócolis, queijo colonial e bolacha caseira. “A alimentação é balanceada e respeita a sazonalidade dos alimentos. O cronograma de entrega é definido com base nas informações fornecidas pelos próprios agricultores, respeitando o período do ano em que cada produto está disponível. Não exigimos, por exemplo, laranja em janeiro se o produtor só consegue entregá-la a partir de maio”, esclareceu.
Ao final, o nutricionista reafirmou que nunca houve recusa por parte da prefeitura ou dele, como profissional técnico, em incluir frutas na merenda escolar. “Teve uma repercussão negativa até contra a minha pessoa, como profissional, com comentários do tipo ‘que nutricionista é esse que não aceita a fruta’. Quero deixar claro que nunca foi recusada a inclusão das frutas, desde que haja a participação e interesse dos fornecedores locais. A questão é entender a demanda e saber se o produtor tem interesse em fornecer.”
Confira entrevista completa