O uso da lei como arma. Por Ana Dalsasso
Nos últimos anos, o Brasil tem vivido um cenário preocupante de judicialização intensa da vida pública. A justiça, que deveria ser o alicerce do equilíbrio democrático, passou a ser utilizada como ferramenta de disputa ideológica e estratégia de poder. Esse fenômeno possui um nome: “lawfare”, ou seja, o uso da lei como arma de guerra contra adversários políticos.
O conceito não se refere à punição legítima de crimes, mas à instrumentalização de processos jurídicos como forma de perseguição. A lógica do lawfare é simples e perigosa: fragiliza-se o adversário por meio de investigações prolongadas, denúncias seletivas, vazamentos estratégicos para a mídia e julgamentos midiáticos em que a reputação é condenada antes mesmo que haja sentença. Nesse terreno, a presunção de inocência é substituída pela suspeita permanente, e o processo deixa de ser um caminho para a verdade para se tornar um palco de desgaste político.
Quando a justiça vira arma, a democracia se transforma em campo de batalha. Em vez de instituições sólidas e imparciais, passa-se a ter um sistema guiado por interesses e movido por narrativas. A consequência é grave: a sociedade perde a confiança nas estruturas que deveriam garantir equilíbrio e transparência. Surge, então, um círculo vicioso em que tudo é judicializado e a política deixa de ser construída pelo diálogo, pela negociação e pela vontade popular.
O Brasil precisa debater seriamente esse assunto. Não se trata de defender indivíduos ou partidos, mas de compreender que nenhuma nação se sustenta quando a justiça se torna ferramenta de poder. A democracia exige limites, equilíbrio e responsabilidade institucional. O lawfare corrói silenciosamente essas bases, enfraquecendo direitos e minando o estado democrático de direito.
É hora de recuperar a essencial separação entre justiça e disputa política. Investigação e punição devem existir onde há provas e não onde há interesses. O desafio é enorme, mas indispensável: salvar a justiça da política — e a política da justiça. Sem isso, corremos o risco de transformar o Estado de Direito em Estado de suspeição
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