Leite, arroz, soja e milho: FAESC detalha por que 2025 virou um ano de crise para o agro
Barbieri diz que excesso de oferta, recuperação judicial e manutenção das importações criam um cenário que compromete renda e planejamento dos agricultores
A agricultura brasileira atravessa um momento decisivo e de forte pressão econômica em praticamente todas as cadeias produtivas. A avaliação é do vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (FAESC), Enori Barbieri, que conversou com o Jornal da Guarujá na manhã desta terça-feira, 9.
Segundo Barbieri, embora 2025 devesse ser um ano de comemoração, já que o país colheu “a maior safra agrícola de toda a história”, o cenário se transformou em motivo de preocupação. O motivo, explica, está na combinação entre a superprodução nacional e a grande oferta mundial. “Produzimos mais do que o necessário para o consumo, e isso trouxe inúmeros problemas, não só na venda dos produtos, como no preço pago ao produtor e no endividamento”, afirmou.
Com a renda comprometida e sem condições de quitar financiamentos, muitos produtores recorreram à Recuperação Judicial via CPF , mecanismo antes limitado a empresas. Segundo o dirigente, o movimento provocou impacto direto no setor financeiro e, especialmente, nas revendas e cooperativas que antecipam insumos. “Um terço da safra brasileira é custeado por empresas particulares. Essas empresas e o próprio sistema cooperativo precisam receber o dinheiro de volta para repassar aos órgãos de onde o recurso veio, mas muitos ficaram sem pagamento por causa da recuperação judicial”, explicou.
Esse bloqueio no fluxo financeiro, diz Barbieri, atingiu a nova safra. “ Muitos produtores ficaram sem recursos porque o preço dos produtos caiu muito”, destacou. Em um exemplo citado por ele, a saca de arroz de 50 quilos, que no ano passado era vendida por R$ 110 a R$ 115 no Sul do estado, hoje vale cerca de R$ 55. Situação semelhante se repete com cebola, alho, milho e soja.
Pressão também sobre o leite
O vice-presidente da Faesc afirma que o leite enfrenta um quadro ainda mais delicado. O aumento de produção impulsionado pelo baixo preço do milho que é usado como ração, sobrecarregou o mercado interno. “O Brasil aumentou a produção de leite em mais de 10%. Como não é um produto exportado, tudo ficou no mercado interno, que não absorve esse volume”, explicou.
Barbieri aponta ainda a ausência de políticas industriais para transformar o excedente em leite em pó, estratégia usada por países desenvolvidos. Porém, o fator mais crítico, segundo ele, é a continuidade das importações. “O grande problema está na teimosia do governo brasileiro em não diminuir as importações de leite em pó da Argentina e do Uruguai. Estamos trazendo muito leite de fora, tirando emprego dos brasileiros”, criticou.
Mesmo no Sul de Santa Catarina, onde a produção é naturalmente mais barata por causa da boa insolação, chuvas regulares e uso de dejetos da suinocultura como fertilizante, a margem de lucro praticamente desapareceu. Muitos produtores, principalmente os que investiram na modernização das propriedades, enfrentam juros elevados. “Com Selic a 15%, não há atividade do agro que pague esses investimentos com sobra. Os juros estão corroendo tudo”, afirmou.
Apesar da crise, Barbieri acredita que o equilíbrio deve voltar, mas não de imediato. “Vai demorar um pouco, mas vai melhorar. Alguém vai ter que reduzir produção, e quem conseguir atravessar essa barreira deve sobreviver a esse momento difícil”, avaliou.
Ele alerta, porém, que a situação exige atenção das autoridades. “Precisamos pensar no futuro da segurança alimentar brasileira. Uma crise prolongada pode comprometer o abastecimento e gerar inflação, afetando famílias que já enfrentam dificuldades”, concluiu.
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